domingo, 31 de janeiro de 2016

Reflexões sobre o suposto embate entre ciência e religião

Esse texto foi escrito há pouco mais de um ano (08/01/2015). Mesmo assim não deixa de ser atual

Embora seja uma forma de defesa, o fundamentalismo religioso acaba virando uma forma de ameaça à educação ao colocar dois ovos de serpente: o autoritarismo e a pseudociência


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O Bispo Robson Rodovalho, da Igreja Sara Nossa Terra, lançou, em 2013, um livro intitulado "Ciência e Fé" onde tenta mostrar que a Física quântica conciliou religião e ciência.

Recentemente, um congresso "científico" foi feito para mostrar que um criador deu origem ao universo e que a "teoria" do design inteligente está correta.

Como nada acontece isoladamente e tudo tem um contexto e está interligado, pode-se notar que esses dois acontecimentos tem uma conexão: as religiões não querem mais ser apenas um guia moral, mas querem também ser ciência, mesmo que para isso suas figuras queiram fazer comparações nonsenses e tenham que apelar para charlatanismos intelectuais.

Para entender esse fenômeno, é necessário ir até às raízes: o século XIX, era do positivismo - mais especificamente, nas páginas do livro "A Gaia Ciência", do filósofo Friedrich Nietzsche. Na seção 108, Nietzsche declara a morte de Deus através de uma metáfora intitulada "O louco" ("O insensato", em outras traduções). Embora alguns, principalmente nas redes sociais, usem essa frase fora do contexto achando que se trata de um deboche de Nietzsche em defesa do ateísmo, a coisa na verdade é muito mais complexa. O que Nietzsche estava querendo dizer com essa metáfora é que o advento do positivismo havia enterrado a concepção de Deus. "Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!", diz a metáfora.

Com a concepção de Deus enterrada, a sociedade deixou de enxergar o mundo com a ótica religiosa. A visão religiosa sobre a origem do mundo foi reduzida a uma mera cosmogonia. Mas os representantes do fundamentalismo religioso não têm aceitado este fato.

A historiadora Karen Armstrong explica bem esse fenômeno. Segundo ela, o fundamentalismo cristão é mais uma forma de defesa do que de ataque. Com isso, pode se perceber que os fundamentalistas cristãos sentem que o cristianismo está sendo ameaçado de desaparecimento graças a ciência e por isso reagem, querendo misturar coisas muito distintas que não possuem as relações que querem estabelecer.

Embora seja uma forma de defesa, o fundamentalismo religioso acaba virando uma forma de ameaça à educação ao colocar dois ovos de serpente: o autoritarismo e a pseudociência, e ambas estão ligadas. O autoritarismo surge como forças religiosas reacionárias que querem interferir na educação da sociedade ao exigir que visões cosmogônicas sejam ensinadas como ciência nas escolas.

A pseudociência emerge através de livros e congressos de figuras religiosas que tentam, inutilmente, fazer comparações nonsenses entre religião e ciência e forçar para a sociedade que a religião pode responder perguntas que não cabem mais a ela responder. Os casos citados no início deste artigo são exemplos disto.

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